Como dizia Heráclito, "panta rhei" significa "tudo flui".

Anaxágoras reforçaria esse conceito afirmando que "nada nasce ou perece, mas as coisas já existentes se combinam e depois se separam novamente".

E é exatamente isso que acontece com a proposta de valor ao colaborador (do inglês employee value proposition, EVP). Vai mudar, mas, ao mesmo tempo, não vai perecer – apenas se recombinar e transformar. Transformar-se em quê? Na minha opinião, vai se tornar uma proposta de valor de relacionamento (do inglês relationship value proposition, RVP).

por que e como?

Em primeiro lugar, uma proposta de valor ao colaborador é apenas voltada para os funcionários e, atualmente, as empresas não criam relacionamentos apenas com colaboradores efetivos. E quanto aos prestadores de serviço? Os freelancers? Os fornecedores terceirizados e sob contrato de trabalho? Todos esses profissionais se tornam, por curtos ou longos períodos, parte da equipe e seu escopo de talentos vai muito além de seus colaboradores efetivos.

No entanto, estes ainda são considerados mais importantes apenas porque o empregador pode ter um sentimento de "posse" em relação aos colaboradores efetivos. E é na palavra "efetivo" que está o problema. Colaboradores efetivos não estarão permanentemente em sua empresa, mas apenas por um período. De certa maneira, eles podem ser considerados colaboradores de longo prazo. E o aumento da rotatividade é a maior evidência de que, no mundo do trabalho, ninguém é mais dono de ninguém.

Em segundo lugar, a proposta de valor ao colaborador é de propriedade do empregador e é transmitida aos seus funcionários. Na minha opinião, este é um paradigma ultrapassado e muito ineficaz. Na realidade, todas as pessoas que trabalham para uma empresa (incluindo a liderança) estão em um relacionamento mútuo com uma troca constante de ideias, interações e valor agregado.

A comunicação é um processo de mão dupla, assim como a tomada de decisões. Se você tirar a voz e a capacidade de escolha de seus colaboradores, sofrerá consequências. Falta de comprometimento, alta rotatividade e baixo desempenho são apenas alguns exemplos.

Terceiro, o colaborador é tão necessário quanto seus clientes, portanto, é fundamental construir um relacionamento saudável. Não há diferença entre as pessoas que compram e as pessoas que fabricam o que se compra. Tudo funciona como um sistema e, se você quebrar esse círculo virtuoso, logo também poderá perder clientes. É claro que diversas empresas em diferentes regiões não oferecem um bom atendimento ao cliente e ainda assim vendem, mas com o aumento de profissionais da geração Z no mercado de trabalho, os quais têm expectativas altas, essas empresas não terão vez.

como criar uma proposta de valor de relacionamento? 

Todo o ecossistema de talentos é construído a partir do relacionamento entre as pessoas em uma cultura ou marca; por isso focamos mais na identidade do que na troca de comportamentos. Uma proposta de valor ao colaborador resume as respostas à pergunta: ”se eu fizer isso para você, o que eu ganho em troca?” Conforme a teoria dos dois fatores, tanto o empregador quanto o colaborador buscam se beneficiar mutuamente, por meio de um acordo que envolve fatores intelectuais, emocionais e de saúde.

Uma proposta de valor de relacionamento é multidimensional, evolui e tem significados diferentes para pessoas diferentes, como todo relacionamento. Por isso, é a verdadeira solução para a falta de diversidade no trabalho. As relações são, de fato, dinâmicas. Elas se concentram em crenças comuns e aspectos individuais. Através das relações, as pessoas são vistas, abraçam as diferenças e cultivam a liberdade dentro de ecossistemas em que todos se beneficiam.

As pessoas trabalham de diversas maneiras e por meio de diferentes tipos de relacionamento com as empresas. O paradigma da Revolução Industrial deu lugar à Revolução dos Relacionamentos, onde estamos todos conectados, somos todos parte do sistema e mais do que a soma de nossos seres individuais. Não se trata mais de RH ou proposta de valor ao colaborador, trata-se de People Experience (experiência das pessoas) e proposta de valor de relacionamento.

design de serviços para construir uma proposta de valor de relacionamento

O termo "design de serviços" foi criado por Lynn Shostack, na década de 1980. Segundo ele, as organizações precisam compreender como os processos, as pessoas e os mecanismos por trás das coisas interagem entre si.

Assim como no conceito de People Experience, a experiência não é mais uma soma de etapas fragmentadas e unidas por um acordo. Atualmente, as empresas precisam projetar um modelo geral de interação (relacionamento) do bom senso ao intelecto, do recrutamento à contratação e à aposentadoria, em todos os segmentos de talentos, incluindo os colaboradores temporários, como um imperativo de negócios.

Talentos não são beneficiários: são personagens principais dentro de uma relação dinâmica. São pessoas que se envolvem e influenciam a experiência por meio de todos os seus sentidos e do sistema cognitivo/emocional dependente do contexto difuso de seus cérebros.

No design de serviços, o front office/stage é uma consequência e uma interação com o back office/backstage. Tudo precisa estar em constante e perfeita comunicação com o propósito. Nada pode ser desconectado, o resultado agrega valor e o negócio se torna mais resiliente, inovador, diverso e impactante. Sendo assim, mais humano.

proposta de valor de relacionamento

Vamos imaginar uma empresa: uma consultoria em tecnologia estabelecida globalmente denominada ACME. 

A ACME tem uma proposta de valor ao colaborador criada em torno do conceito de "crescer juntos", que impulsiona o conceito de "projetar o crescimento".

O que podemos esperar ao trabalhar na ACME como colaboradores efetivos?

  • Um sistema de trabalho organizado, que incorpora a realidade para além das unidades de negócios.
  • Um processo seletivo que agrega valor para nós, além de uma oferta de emprego.
  • Um processo de integração que nos permite agregar valor imediatamente.
  • Gratificações, benefícios e bônus que estão relacionados ao impacto que causamos e ao crescimento da empresa.
  • Uma metodologia e um processo transparente de gestão de talentos projetados em torno dos conceitos de expansão, desenvolvimento e colaboração.
  • Um plano de carreira e mobilidade definido, mas flexível.
  • Uma oferta de aprendizagem e desenvolvimento (do inglês Learning & Development, L&D), que desenvolve nossas habilidades, pontos fortes e capacidades, enquanto contribuímos para o crescimento da empresa.
  • Forte inovação em todas as formas de trabalho, tecnologia e dados.

O que podemos esperar ao trabalhar com a ACME como freelancer, prestador de serviços ou sob contrato de trabalho? Possivelmente nada. A proposta de valor ao colaborador não engloba esses regimes de trabalho.

Mas a ACME quer evoluir sua proposta de valor ao colaborador para uma proposta de valor de relacionamento baseada em "progresso equitativo" (um relacionamento em que é possível crescer juntos). A maneira como os talentos enxergam a empresa poderia então ser projetada em torno de um conceito "criativo", porque somente pessoas com imaginação, desenvoltura e direcionamento podem construir uma empresa onde todos se beneficiam com os ganhos individuais. Nesse cenário, todos saem ganhando e também gera impacto na sociedade e em nossas comunidades.

O que podemos esperar ao trabalhar com a ACME como colaboradores efetivos, freelancers, fornecedores terceirizados, de acordo com essa proposta de valor de relacionamento?

  • Um plano de talentos ágil, mas flexível, que inclui todos os talentos e trabalhos recorrentes que precisam ser feitos.
  • Cada pessoa é representada e recebe suporte, independentemente de seu regime de trabalho com a empresa.
  • Tudo o que a proposta de valor de relacionamento oferece é aprimorado e adaptado pelo tipo de relacionamento que a empresa constrói com cada segmento (como os talentos enxergam a empresa). Por exemplo: regimes de trabalho (efetivo em tempo integral, efetivo em meio período, remoto, presencial, prestadores de serviços, freelancers, sob contrato de trabalho etc.), áreas de trabalho (tecnologia, finanças, ciência de dados etc.), grupos heterodoxos (dominantes e não dominantes), locais e cultura, personalidade e objetivos (por exemplo, introvertidos).
  • O processo de People Experience equitativo é projetado e mensurado em torno da criatividade, progresso e justiça, onde as pessoas criam suas próprias experiências. Pense nesse processo como uma árvore forte e florescente com muitos galhos: as pessoas (todos os talentos, não apenas os colaboradores efetivos) podem explorar sua própria experiência e trajetória, desde que beneficie os outros.
  • As gratificações são estabelecidas em torno de cenários em que todos ganham, onde a colaboração, a equidade e a inovação são recompensadas. A maneira como você alcança um objetivo é tão importante quanto o objetivo em si.
  • Os salários e bônus da liderança estão relacionados a fatores como serenidade, comprometimento, satisfação e contribuições – relacionamentos saudáveis são recompensados.
  • Há fluidez entre grupos e segmentos: os profissionais sentem que têm voz e capacidade de escolha, que pode mudar dependendo de motivadores externos e internos.

A proposta de valor ao colaborador da ACME se concentra nos colaboradores e define uma estrutura e políticas que as pessoas possam acessar. Mas a proposta de valor de relacionamento da ACME foca em todas as pessoas e regimes de trabalho, criando um espaço onde os profissionais têm liberdade, desde que respeitem algumas regras fundamentais relacionadas à marca, identidade e propósito.

por que ter uma proposta de valor de relacionamento?

  • Todos, independentemente dos acordos de trabalho, fazem parte do seu escopo de talentos.
  • A proposta de valor segue o modelo do seu quadro de colaboradores: é projetada para todos, independente dos regimes de trabalho.
  • Aumenta a diversidade, a equidade e a inclusão no trabalho, pois é projetada para ser segmentada e construir relacionamentos com todos os indivíduos.
  • Aumenta sua agilidade e promove a inovação dentro de um modelo de talentos muito flexível.
  • É uma mudança para abranger todos os talentos.

Com a ascensão da economia, que abrange profissionais autônomos e a crescente necessidade de talentos e de uma mão de obra diversificada, o conceito de proposta de valor ao colaborador evoluirá para uma proposta de valor de relacionamento, que se concentra no relacionamento entre uma organização e seu talento.

As propostas de valor de relacionamento idealmente considerarão as relações multidimensionais e dinâmicas no trabalho, nutrindo liberdade e crescimento para os profissionais não apenas se tornarem mais resilientes, inovadores, diversos e impactantes, mas também mais humanos. Isso ajudará as empresas a criarem uma cultura de talentos saudável que promova relacionamentos positivos.

sobre a autora

Francesca Campalani

Chefe global de Marketing de Talentos do Randstad Enterprise Group

Chefe global de Marketing de Talentos do Randstad Enterprise Group, Francesca Campalani é líder de pensamento, criativa e apaixonada pelos negócios. Possui mais de 20 anos de experiência em marketing de consumo, marketing de talentos, marca empregadora, diversidade e cultura.